quinta-feira, 30 de março de 2017

Marina

Se chamava Marina e sua sina desde menina era ser vítima de rima de coisa de mar.
Por azar era bonita e até quem não botava um pingo num i aparecia com coisa escrita falando "quer me namorar?"

No papel, nada era novidade, uma tonelada de versos com - "Seus olhos são brilhantes minha beldade!"
Mas onde falavam "você é um encanto, nem parece ter sua idade!" - ela só lia "eu e você, gata, no meu canto lá na cidade..."

Queriam que aceitasse logo um anel, por isso, em casa era vigiada, lhe tratavam como doente, Marina não podia sair pra nada.

Sempre foi menininha obediente, doce como um favo de mel, até que um dia quente, quando andava na praia de vestido branco, um caolho manco empurrou pros bolsos de seus pais um monte de papel.

Nesse dia desceu dos tamancos, sentou na frente do espelho e se perguntou - É só isso mesmo que eu sou?

Fugiu de casa com pouco dinheiro, trocou de nome e trocou o cabelo, continuou com o vestido branco. Arrumou um parceiro, um cara qualquer, e foi assaltar banco.

Na hora do crime, houve uma discussão, ela pegou o dinheiro, atirou no parceiro e puxou o alarme. Fugiu e na rua um carro usando apenas seu charme, como uma carta de baralho, ela descartou o parceiro - a meio é o c****** vou ficar com o roubo inteiro!

Hoje não rouba mais banco, trocou o dinheiro pra Franco e arrumou um novo lugar pra morar.

Vive na Alemanha, tem um carro e uma casa bacana, virou uma criminosa famosa, seu vestido branco ficou cor de rosa e nunca mais ouviu nenhuma rima com mar.



segunda-feira, 31 de março de 2014

Pêndulo

A vida balança pra frente e pra trás entre o tédio e a tristeza, como um pêndulo, o mais cruel dos relógios.

Eu nunca compreendi essa fase por completo. Eu pensava ter compreendido essa frase aos 16 anos, " você é linda" eu disse "me beije, esses são os últimos dias antes das responsabilidades". Nada aconteceu. 

Aos 21 eu aprendi, você não reconhece o verdadeiro significado do tédio e da dor até o serviço militar obrigatório.

Nada descreve melhor uma marcha de 12 km com uma mochila pesada do que as marcas cortadas nos ombros pelas alças de náilon.

Tudo caminhada por um mísero treino de tiro, quatro horas esperando minha vez (culpa das inspeções de segurança que são individuais e burocráticas) e depois mais quatro horas para o treinamento noturno (culpa do Sol que insiste em ficar no céu quase 12 horas por dia).

Oito horas cavando uma trincheira me deixaram a dúvida sobre qual é a pior coisa que já senti na vida: , quando o braço adormece no meio do trabalho, e a única coisa que você sente nele é dor, ou, efetivamente dormir na trincheira.

Acordava a cada uma hora pelo frio, na verdade, não tanto pelo frio, acordava com minhas mãos tremendo sozinhas e achava que alguma coisa estava acontecendo.

Nesse mesmo lugar, vivi alguns dos meus momentos mais poéticos.

Deitar na trincheira me deixava testemunhar a escuridão absoluta da floresta e do céu sem estrelas se fundirem em perfeita harmonia, tudo num silêncio que parecia cair como um véu sobre todas as coisas, assim que o sol sumia.

Todas as vezes que ia embora, podia me perder no azul do céu, se espalhando sem cercas ou fios limites nas docas onde eu pegava o barco de volta pra casa. Deixava pra trás a ilha onde os treinamentos aconteciam com um alívio infinito.

Um certo dia as nuvens estavam tão uniformes que, quando se alinharam com o sol, a iridescência que se formou resultou no que parecia um deserto no céu, as areias escorregavam como seda, se assentando em calmas dunas de areia branca. 

As vezes eu lembrava dela no barco, ensaiava planos e palavras, mas eu estava certo sobre os últimos dias. O lugar dela, na ilha, era estar do lado de fora: eu sabia demais, e ela não sabia de nada dali. Eu me achava velho demais para aquela coisa, planejava reviravoltas quando saísse.

Me formei, entrei para o serviço militar, muita gente foi fazer outras coisas. Voltei à ilha algumas vezes, mas colocaram postes e energia elétrica lá.

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

A coisa mais doce

Meu cachorro foi embora. Ela era uma Cocker Spaniel, malhada de preto e branca igual uma vaquinha, quando fica peluda parede uma bolinha de algodão com orelhas enormes e de pelo ondulado. Ela também era uma das coisas mais doces que eu já conheci na vida.

Ela adora qualquer pessoa que dê carinho pra ela, mesmo se for um estranho passando pelo portão da casa por 5 segundos, nunca mordeu ninguém, mesmo não gostando muito de crianças ela era tão mansa que fugia delas antes de morder (como deveria fazer às vezes).
.
 As coisas favoritas da vida dela são passear e tomar banho, agora que ficou mais velhinha dormir parece que alcançou um lugar nesse grupo seleto de atividades. Eu gostava de coçar a orelha e o pescoço dela e de bagunçar os pelos na cabeça, tenho certeza que pelo menos as duas primeiras coisas ela adorava, a terceira só se rolasse um cafuné junto.

Faz 12 anos que temos ela, e eu lembro cada um desses como se fosse ontem. Lembro do primeiro dia dela em casa, que ela exagerou na ração e ficou com a barriga tão cheia que parecia que ia explodir. No segundo dia ela entrou atrás da máquina de lavar e ficou presa, só depois de 10 minutos de choro e 2 infartos conseguimos encontrar ela. Nessa época o corpo todo dela cabia na minha mão.

Lembro de quando ela ficou sozinha em casa e descobriu uma caixa cheia de azulejos, que ela espalhou pelo quintal minúsculo da minha casa antiga, onde ela morava (quando mudou pra casa nova, com um quintal grande, comeu tanta grama que vomitou quase um vaso de xaxim). Lembro também do primeiro ano novo que ela esqueceu do mundo, ganhou um osso de pernil e passou um dia inteiro roendo, quando terminou precisava urgentemente de um banho.

Aliás, qual é a do Cocker e da baba que fede? Meu deus, houveram épocas que a habilidade dela de roubar chicletes das bolsas da minha irmã era completamente aceitável.

Comida é um assunto a parte, acho mais fácil listar o que ela não comia do que o que comia, desde um amor à chocolate (eu sei, é tóxico, mas fala isso pra ela), até, estranhamente, amor à abacate. Já vi até ela chupando uma manga sozinha, segurando com as próprias patas.

 O olhar triste do Cocker é talvez a mais sofisticada arma de chantagem já inventada pela evolução das espécies, a Mel é uma especialista em usá-lo. Acho que desenvolvi uma enorme dessensibilização  à cada almoço que eu resistia à gula dela.

Mas ela ficou velhinha, 12 anos como eu disse antes, todo mundo fica velho não é?

Quase nada mudou na verdade, basicamente ela ficou um pouco mais calma e parou de brincar de comer garrafas pet de 2 litros.

Mais recentemente surgiram os problemas de saúde, mas essa é uma parte chata e meio desnecessária de detalhamento.

Eu contei tudo isso, toda a coisa emocional que me faz debulhar em lágrimas e arrastar em excesso esse texto, tentando chegar a termos comigo mesmo do porquê deu estar chorando já há quase 4 horas seguidas.

Não é meu primeiro bichinho de estimação que morre: fui dono de um número  considerável de peixinhos de aquário suicidas. Meus porquinhos da índia, Arroz e Feijão, poderiam ser protagonistas de um épico: acredito que no fim, a minha  porquinha fêmea já era a Feijão IV, e o Arroz, enquanto nunca foi substituído, deixou de ser branco e ficava lentamente verde na barriga e na garganta, sem nenhuma consequência aparente à sua saúde (não sei, não me pergunte).

Eventualmente o Arroz  sumiu numa tarde que fui pra escola e minha mãe explicou que tinham levado ele “pra ser solto em uma fazenda”, na época eu acreditei e fiquei feliz por ele, apesar de meio preocupado de algum bicho tentar comer ele. Ainda sim ,chorei cada vez que um dos porquinhos que morria, chorei pelo Arroz também.

De qualquer forma, cachorro é um assunto diferente. Falam de melhor amigo do homem pra todo lado, mas acredito que é algo além de amizade. Amigos brigam, se afastam e se aproximam durante a vida, os cachorros não.

Criar um cachorro trás uma forma muito diferente de amor para o dono, algo incondicional que se qualquer pessoa de bom senso pensar a respeito, se sentiria extremamente não digna de receber do bichinho.

Sendo honesto, não consigo pensar em nada que possamos fazer pra um cachorro que justifique o tamanho do amor que ele tem pelos donos. Seja aquele político corrupto de merda, o cara que fecha todo mundo no trânsito ou um serial killer maluco: quando eles chegam em casa, seus cães vão abanar o rabo e pedir atenção, como quem pergunta como foi seu dia.

Em essência, o cachorro é um bicho bobo que te ama mesmo se você fizer só um pouquinho pra ele, não importa o tipo de pessoa que você seja. Por isso dói tanto quando esse bicho bobo fica doente.

Aliás, talvez isso seja um dos maiores sofrimento. A pessoa aponta onde dói, ela toma remédios e diz se está se sentindo melhor. Não dá pra dar um copo de água e um comprimido para o cachorro e falar “toma aí, vai te fazer bem”. Tudo que se relaciona com veterinário geralmente é uma fonte de incômodo para o cão e de luta para o dono.

Tomamos todo o cuidado e demos toda a assistência que era possível à minha cã, mas como diz a frase famosa, o destino é inexorável. Sempre soube que cachorros vivem nessa média dos 10-14 anos, tinha consciência disso e de certa forma me preparava para os anos que não demorariam em vir, mas nunca imaginei que o fim me seria tão triste.

Poupo o leitor dos detalhes sórdidos, talvez porque escrevo isso com intenção de guardar para posteridade e por querer poupar eu próprio quando reencontrar esse texto, mas digo que uma das piores memórias que tenho na vida é meu cachorro sofrendo convulsões. Não tanto o ataque em si é a parte ruim, me surpreendi com meu sangue frio em segurar a onda, mas a impotência da situação, o olhar de confusão e medo que ela fazia, o coração batendo a mil e a respiração ofegante e dificultada.

O primeiro dia que ela teve um ataque foi uma confusão na casa, gente gritando, meu pai quase caiu da escada enquanto corriam com a coitadinha pro veterinário. Lembro de andar até a cozinhar e ver os biscoitos dela na bancada, me peguei pensando se ela estaria viva tempo o bastante pra terminar aquele saco enorme, hoje sei que a resposta é não.

Minha cã teve um problema no fígado que é justificável dada a idade dela. Em poucos dias as convulsões pioraram, ficaram mais frequentes e ela não resistiu, teve uma parada cardíaca..

Infelizmente saber disso, de toda parte racional do problema, em nada muda a falta que vou sentir e  o vazio que fica.

Ainda este ano (2013) eu perdi meu avô, e tenho que relatar, a perda, não importa de quem seja é um dos piores sentimentos que podemos experimentar, Para cada um que se vai, fica toda uma gama de cores e sabores de memórias, e pra cada uma delas, um novo luto, horrível por mérito próprio, de cada jeitinho em particular.

Chega a ser impressionante como não dá pra se acostumar com esse sentimento, estar ou não preparado não interessa, é a mesma coisa, o mesmo abismo, a mesma dificuldade de se afastar do cemitério depois que fecham a cova, como se existissem elos invisíveis ainda pra serem dissolvidos.

Meu pai me disse que a perda é a maior dificuldade em se constituir uma família. Ele também me disse que de agora em diante não criará nem uma formiga sequer, mas divago.

O que eu quero dizer com tudo isso é que vale tudo a pena. As coisas que nós amamos vão embora, mas por mais clichê que isso soe, as memórias ficam, e são elas que fazem o que cada pessoa é. Se a perda te faz sentir mal, é porque antes aquilo fez você se sentir bem, as duas coisas fazem parte da vida, e não teria graça se fosse de qualquer outra maneira.

No futuro, quero ter outros cachorros, gatos também, e acho que dar carinho e uma vida boa pra alguns animais ao longo da sua vida pode ser pouca coisa em troca do amor que eles dão, mas é um gesto enorme pra esses bichinhos que sofrem tanto sem ter culpa ou motivo algum.

Bom enfim, essencialmente estou escrevendo pra mim mesmo, estou usando meu choro de uma forma  produtiva, nem que seja pra me lembrar desses dias.

Se eventualmente eu publicar em algum lugar, quero que você, que já perdeu um bichinho, saiba que eu sinto muito, muito mesmo, e agora eu entendo, me desculpe por não entender antes, vocês merecem mais abraços do que recebem.

Pra você que ainda não perdeu, abrace ele muito, dê muito carinho, e, na hora certa, chore bastante, tudo o que puder chorar, porque depois de alguns anos, talvez você nem se lembre mais, não da mesma forma, e quando se der conta disso, vai ter raiva de si mesmo. Ironicamente esse conselho vale tanto pra pessoas quanto pra bichos.

Sei que não faz diferença, e  na verdade, o mais próximo de um adeus que pude dar pra ela foi uma coçada na cabeça de boa noite,, mas se isso  aqui vale alguma coisa..., Tchau Mel!

Eu amo você muito, muito mesmo - mais do que qualquer coisa que eu consiga escrever pra você possa mostrar. Vou tentar me lembrar de como você era doce com as pessoas, de quão fácil era te deixar feliz e de como você sentia que a gente estava triste e fazia companhia. Espero que realmente exista um lugar pra onde você ir, algum lugar melhor, que dê pra fazer tudo que você mais gosta. Desculpa pelas vezes que te tratei de qualquer jeito que não fosse com o mesmo carinho que você sempre me tratou.


Você vai fazer falta demais, na minha vida inteira.

quinta-feira, 21 de março de 2013

Sobre Balões de Bixinho e Gás Hélio



Todo ano milhares de balões de bixinhos fogem de seus donos em todo mundo.


Em primeiro lugar esclarecemos que todas as ocorrências de “fuga de balões” e termos similares presentes neste texto se relacionam à balões que escapam das mãos de seus donos, não de insurreições revolucionárias dos balões contra seus mestres humanos. Aconselhamos ainda que, por segurança, os leitores não disceminem esse tipo de idéia entre balões de nenhum tipo.


A falta de atenção no tema da perda de balões é um problema fácil de ser explicado: quando feita uma média per capita descobre-se que esse é dificilmente um fenômeno estatísticamente relevante. Porém, qualquer pessoa que viu seu balão de girafa sumir no céu irá argumentar sobre o impacto emocial e todos danos psicológicos que a situação inspirou.


O presente texto busca acolher essas pessoas, prover informações essenciais para os notoriamente desinformados, oferecer um consolo nesses tempos dificeis de perda e ganhar todo o dinheiro que essas pessoas poderiam gastar comprando nossos livros.


O senso comum geralmente coloca a culpa de um balão fujão na desatenção e falta de coordenação motora de uma criança, mas pro diabo com isso! A vida é curta demais pra se limitar o pensamento por coisas bobas como lógica e racionalidade!

Além do mais, porque você iria assumir a responsabilidade de um balão perdido quando podemos empurrar a culpa pra um elemento inanimado da natureza? Repita depois de mim: o culpado é o gás Hélio vossa excelência, pode ligar a cadeira elétrica (tenha certeza de não estar sentado em uma quando disser isso).


Há inúmeras coisas que podem ser ditas sobre o Hélio: que ele é um gás nobre, usado desde refrigerantes à super condutores e ainda dono de uma penca de efeitos termodinâmicos e quânticos da mais larga escala. Mas o que eu quero discutir são as propriedades aventurescas e poéticas únicas à esse gás.

Enquanto o Hélio é o segundo elemento mais abundante no espaço (perdendo apenas pro Hidrogênio, aquele invejoso), na Terra ele é um elemento relativamente raro.

Ao contrário de seu estado espacial, geralmente em plasma, na Terra o Hélio existe como gás. Pra ser mais específico o segundo gás mais leve entre todos elementos (novamente, com aquele babaca do Hidrogênio sempre levando os louros do primeiro lugar) o que faz com que o gás Hélio tenda a subir na atmosfera do planeta, como bolhas dentro de uma piscina.

Mesmo em segundo lugar, o Hélio ainda é o favorito para os dirigíveis e balões de passeio. Por que? Porque quando exposto ao calor, enquanto o Hélio só dilata, numa espreguiçada apática, o Hidrogênio é altamente inflamável, tendendo a causar explosões e funerais. O que demonstra que pessoas que experimentam a pressão de se manter em primeiro lugar em muitas coisas realmente tendem a ser mais estressadas e instáveis.

Tudo bem, o Hélio flutua no ar, mas o que as pessoas geralmente não se perguntam é "até onde?".

Até onde ele puder ir. Eu não tinha dito sobre as propriedades aventureiras desse gás?

Como uma bóia numa piscina, o Hélio tende a flutuar na superficie da atmosfera do planeta. Lá o gás pega uma carona nos ventos solares, e, num sopro de radiação, ele vai viver aventuras pelo universo.

Daí vem a parte poética da questão, sabe todos aqueles balões de bichinhos fujões que você teve por toda a infância? Sua mãe não tinha mentido completamente quando disse que todos eles estavam vivendo juntos num lugar melhor.

Enquanto a diferença de pressão interna do balão faz com que a carcaça de leão, pinguim, golfinho ou seja lá o que for; exploda no ar rarefeito da estratosfera, o gás hélio vai continuar subindo.

Eventualmente, a carcaça vai servir pra indigestão de uma baleia ou golfinho (e coloco golfinho só pela situação bizarra de canibalismo onde um golfinho come um balão de golfinho) que pensou que o plástico murcho era uma água viva, mas o "espírito" do seu balão deixou a terra pra sempre, levado pela brisa espacial aos cantos mais escuros do espaço.

Perder um balão de gás Hélio é talvez uma das situações mais irreversiveis que um ser Humano pode experimentar, e, potencialmente, ele experimenta isso multiplas vezes antes de completar 10 anos de idade. E se você acha essa uma situação triste, imagina toda a responsabilidade depositada no coitado do barbante que amarra esse balão?

De qualquer forma, eu gosto de pensar que os balões nunca realmente abandonam seus donos.

O vento solar é como um sistema de transporte público espacial: as partículas do sol ficam tão estressadas pela fusão nuclear que acontece por lá,  que ficam dispostas a subir num ônibus lotado, cheio de gente ionizada procurando um pouco de paz. As partículas ionizadas aguentam a companhia de todo tipo de radiação que você imaginar, pra poder vir pra terra passar umas férias.  Mais ou menos do jeito que as coisas acontecem no litoral em época de férias.


Quando o vento solar entra em contato com a atmosfera da terra é carnaval:  o choque de particulas carregadas pelo vento solar com as da atmosfera (entre elas, o Hélio terrestre em gás, oxigênio, nitrogênio e  o Hélio ionizado espacial)  gera a quebra de ligações atômicas e a excitação de elétrons, que quando tentam voltar pra suas normalidades energéticas, emitem grandes cortinas de luz colorida, que são alinhadas ao campo magnético terrestre.

Assim, sempre que você vir a luz de uma aurora, saiba que são todos os seus balões da sua vida passando pela Terra pra te dar um oi, dizendo que o espaço é legal e levando novos balões pra passear com eles.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Palavra de escoteiro


Quando era mais novo, eu costumava ser escoteiro, já contei pra você sobre isso? Bom, se não contei, não importa, nem todos os distintivos e marshmellows assados do mundo me deixariam confortável numa floresta hoje em dia.

Como exercício de fim de ano, nosso escoteiro mestre decidiu levar um pequeno grupo dos escoteiros mais novos pra uma caminhada noturna pela floresta, eu tinha 11 anos na época.

 Iríamos caminhar três ou quatro kilometros mata à dentro, o que dava mais ou menos uma caminhada de 45 minutos longe do acampamento mais próximo, supostamente, ser largado no mato à noite deveria nos ajudar a pensar sobre a vida e definir nossos futuros objetivos de vida.

Saímos do acampamento às 11 da noite, todos com lanternas e mochilas em mãos, andávamos em um grupo desordenado, com o professor guiando o caminho.

Quando já tinhamos nos embrenhado bastante na mata,  as pessoas começaram a ser largadas pra trás, isso funcionava da seguinte forma: a cada 1 km mais ou menos o professor chamava o nome de alguém do grupo, você entregava sua lanterna pra ele e sentava no escuro sozinho, esperando o grupo voltar pra te buscar. Como eu havia dito, ficar sozinho na mata deveria ser relaxante, ajudaria a pessoa a se acalmar e refletir, fora que no fim do passeio você receberia uma honra ou qualquer coisa que o valha.

Subíamos por uma trilha que cortava uma mata fechada montanhosa. A vegetação não era tão espessa em volta do caminho, com rochas, árvores mais jovens e alguns troncos caídos, andávamos sempre por um trecho elevado de terra, com duas descidas fortes dos dois lados, no escuro daquela noite e com aquela vegetação, poderiam muito bem ser abismos sem fundo até onde eu sei. 

Mesmo andando por uma trilha elevada, em poucos trechos do caminho as árvores davam abertura para o céu, as copas mais altas se encontravam e, por grande parte do percurso, tínhamos um teto de folhas sobre nossas cabeças.

Era junho, então ventava e estava frio. Conforme o grupo vazia seu caminho, o chão coberto por folhas e galhos secos estalava e anunciava nossa presença.

Meu nome  foi chamado e, sem cerimônias, o professor pegou minha lanterna, guardou em sua mochila e o resto do grupo continuou andando. Eu fui a sexta pessoa, de um grupo de dez, então eu estava bem no meio do caminho de todo mundo.

Assim que fiquei sozinho no escuro, como  qualquer pessoa normal, eu obviamente comecei a me cagar de medo. Sentado nas raízes de uma árvore, numa noite escura sem lua, meus sentidos começaram a ficar super sensíveis. Eu podia sentir o cheiro verde das plantas da floresta, sentia também o frio que faz na mata a noite, como se uma neblina gélida fosse solta das árvores – lembro de imaginar que nesse momento minhas orelhas pareciam gigantes, uma mexida de leve dos meus pés no chão de mata pilheira parecia o som de alguém mexendo uma sacola no cinema, uma cacofonia de insetos cantava por toda a minha volta. 

Ironicamente, enquanto pensava nas minhas orelhas, escutei um galho se partir.  Em volta de mim, só se enxergava o breu, os olhos abertos ou fechados não faziam a mínima diferença , mas eu me virei para olhar de qualquer forma. Me lembrei que eu tinha um esqueiro na mochila e resolvi acendê-lo pra me consolar no escuro. Péssima idéia. Assim que acendi, as coisas começaram a piorar.

Comecei a escutar as vozes do meu grupo conversando, como se eles já estivessem voltando pra me buscar, mas estavam ainda bem longe. O vento as vezes soprava forte e o barulho do balançar das copas das árvores cobria as vozes, me fazendo pensar que elas eram apenas o que minha cabeça queria ouvir naquele momento.

 O vento resolveu dar uma trégua, e, indiscutivelmente, vindo em minha direção pela trilha, pude ouvir o som de diversos passos e o murmurinho de conversa. Eu me virei em direção ao som, ainda sentado, ansioso pela luz das lanternas, porém, não enxerguei nada.

O esqueiro me queimava os dedos, então por várias vezes eu o apagava e acendia de novo. Fiz isso diversas vezes, vezes o bastante para notar que em nenhum momento as pessoas pareciam estar se aproximando de onde eu estava, mesmo, aparentemente, andando diretamente em minha direção.

Comecei a ficar nervoso, e reparei quão má idéia era ter uma luz acesa enquanto estava sozinho numa floresta tão escura que sequer via a mão na frente da cara – resolvi apagar o esqueiro e escutar.

O cantar dos insetos era absurdo, vinha de todos os lados, como se eu estivesse numa nuvem deles. As árvores acompanhavam a barulheira num farfalhar frenético, balançando e sacudindo ao ritmo de um vento uivante que subia a serra.

Poucos minutos se passaram, quando no meio da barulheira escutei a voz do meu professor me chamando. Sua voz vinha de uma das encostas da trilha, de dentro da mata, completamente fora da trilha. Ele gritava meu nome, dizendo que tinha acontecido um problema, que eu deveria me apressar e seguir pra onde ele estava.  As árvores sacudiam suas folhas e batiam os galhos, como se uma tempestade fosse cair a qualquer momento, a mata respirava um ar frio na trilha.

Por um momento me levantei de onde estava e comecei a tatear o chão, buscando um ponto de apoio para me sentar na encosta e descer, todo o clima era de pânico, eu tinha que sair dali naquele instante! Mas minhas pernas não se moviam.

Eu pensei no resto do grupo, ainda haviam várias pessoas que foram deixadas antes de mim, o que aconteceria com elas quando essa tempestade caisse?

Nessa hora, tive um calafrio, sentindo como se meu estômago caísse num poço sem fundo. As copas das árvores se mexiam como loucas, porém, não havia qualquer vento.

 Meu rosto suava frio, porém, mesmo com todo o movimento das árvores, sequer uma brisa soprava naquela hora, o céu estava limpo e o clima seco. As árvores e mexiam e sacudiam uma sobre as outras com vigor, sem qualquer razão, cobrindo tudo com folhas secas que caiam como flocos de neve.

 Meu professor continuava me chamando em um tom desesperado, agora dizia estar ferido e pedia socorro.  Cada palavra que eu conseguia entender por cima da barulheira da floresta me faziam encolher bem onde eu estava, o tom desesperado dava lugar a grunhidos e gritos. O que eu escutava, cada vez mais se distanciava do que é uma voz, soava como meu professor, mas definitivamente não era uma voz.

 É realmente dificil descrever um som que ouvi a tanto tempo atrás, o mais próximo que posso chegar é uma daquelas gravações que as pessoas fazem de seus cachorros, onde o grunhido do cachorro parece uma palavra. Os humanos parecem ter um ritmo na fala, não sei bem se é a dicção, é algo que, se não está lá, torna a coisa simplesmente estranha.

 Se ainda sim você não sabe do que eu estou falando, procure gravações de gritos de rapoza e imagine um deles vindo a mais ou menos de um trinta metros de mata fechada, no breu da madrugada.
 Isso continuou por alguns minutos, quando derrepente, um silêncio repentino tomou conta da floresta. Não haviam mais insetos e as árvores estavam inertes, como se nada houvesse acontecido, mesmo usando casaco naquela hora, nunca senti tanto frio na vida.

 Agachei onde eu estava abaixado, como que para tentar ouvir mais longe, mas parecia não haver criatura viva naquela floresta. 

Tão derrepente quanto havia parado, o barulho voltou em toda sua potência e, da encosta de onde escutava a voz,  vinha um chafurdar de folhas e quebra de galhos. Alguma coisa se aproximava, alguma coisa parecia empurrar toda a floresta para abrir passagem, era grande, e estava vindo exatamente pra onde eu estava.

Eu não aguentei mais, me levantei e corri pela trilha de volta, em direção à última pessoa que foi deixada antes de mim. Eu sentia meu coração batendo no pescoço e o suor frio me escorria pelas costas, mesmo correndo, eu sentia as pernas moles. 

Nem lembrei que carregava uma mochila de 5kg nessa hora, corria como se meus pés tivessem asas (o que realmente deviam ter), lembro de ter tropeçado três ou quatro vezes e quase continuado correndo de quatro. O som das folhas que se levantavam às minhas pisadas me faziam imaginar que seja lá o que fosse, estava bem atrás de mim (o que realmente estava).

Seja lá  o que fosse, me acompanhava pela encosta da trilha quase que emparelhado, quebrando galhos e folha lá embaixo, quebrava troncos e parecia trazer consigo todo o som ensurdecedor que a floresta fazia naquele momento.

 Desnecessário dizer que tantos anos depois, mesmo depois de correr com minha mulher para a maternidade e com a minha mãe para o hospital, esse continua sendo o kilômetro mais longo de toda minha vida.

Eu finalmente cheguei ao meu colega, e, como eu, ele também estava em pânico. Nós não trocamos nenhuma palavra, mas só de olhar um pro outro, naquele momento sabíamos exatamente o que estava acontecendo. 

 Nós sentamos juntos, ombro à ombro, tremendo como vara verde, ele empunhava seu canivete com as duas mãos. Lentamente, os sons da floresta pareceram se acalmar, como um carro que passa bozinando na rua até seu som sumir virando o quarteirão. As árvores estavam imóveis e poucos grilos cantavam, comecei a sentir calor e até tirei minha jaqueta.

Pouco tempo depois vimos lanternas e escutamos pessoas gritando e fazendo piadas. Percebemos aliviados que era o professor com nosso grupo de escoteiros, e ele não estava nem um pouco feliz deu ter saído do lugar onde ele tinha me deixado, mas poucas vezes na minha vida estive tão feliz em ver alguém.

Quando voltamos aos dormitórios do acampamento, nosso grupo trocou histórias sobre o passeio, especialmente sobre o que tínhamos visto naquela noite.

 Além de mim e do cara antes de mim, pra onde eu corri, dois outros largados por último tinham ouvido as mesmas coisas e, da mesma forma, também tinham entrado em pânico.

 O professor logo desfez o murmurinho que se espalhava pelo acampamento, ele dizia que o escuro faz a nossa imaginação nos pregar peças, ele nos faz ver e ouvir coisas que não estão lá.

 Já se passaram quase vinte anos desde que isso aconteceu e, embora eu concorde muito com o que ele diz, não importa o aperto que eu tenha passado na vida, minha imaginação nunca me faz passar pelo medo que eu senti naquela noite na trilha.

Porém, embora não tivesse ouvido nada de estranho, o último garoto do grupo, o número 10, contou algo muito interessante: depois de pegar sua lanterna, o professor disse que ia continuar na trilha e desligar a própria luz, participando também da mesma atividade, em meia hora ele voltaria pra buscá-lo e juntos eles iriam descer a trilha e buscar o resto do grupo.

 Segundo o garoto, ele  mal ficou sozinho, talvez tenha sentado lá por 10 minutos, sua bunda mal tinha se acomodado na pedra que escolhera, quando surgiu o professor descendo a trilha: estava pálido como um floco de neve e vinha num passo apressado. Ele tinha uma lanterna em cada mão e disse quase gritando que era hora de ir embora. 

O garoto foi praticamente arrastado pela trilha em direção ao acampamento.  Disse que até  chegou a tentar brilhar a lanterna atrás deles, olhando pra onde veio o mestre, mas um frio na barriga e os palavrões que o professor lhe soltou foram covencimento o bastante pra sair correndo dali.

domingo, 1 de abril de 2012

A crônica do caminhoneiro templário

Antes de tudo, tenho que confessar: eu juro que tentei fazer alguma coisa com esse caso. Tentei usar ele com o climax de uma história, cheguei até usar-lo só como referência num dialógo (tentando deixar a história mais interessante pelo o que não é não dito) - nada deu certo.

Eu não tenho a mínima capacidade de colocar esse relato no papel, mais do que isso, duvido que qualquer pessoa, usando de qualquer produto, consiga fazer isso. Muito menos eu conseguiria criar uma coisa dessas (aí já penso que uma pessoa devidamente ébria talvez chegasse à coisa igual).


Fato é que essa história aconteceu, é real, por mais surreal que pareça eu estava lá e vi tudo, mesmo que tenha sido tão curta. Então, esse texto não se compromete a ser nada mais do que um simples relato. Penso eu que se o universo fez o favor de mexer seus pauzinhos e juntar tantas coisas improváveis num só lugar, é o dever de todos os observadores de relatarem o acontecido.

Era sábado de manhã, tinha sido um daqueles dias que a faculdade decide te liberar e você volta pra casa (pra cama, sendo mais exato) com um sentimento esquisito de raia alegria, que só quem estuda nesse horário fenômenal conhece.

Eu peguei o ônibus e sentei no único lugar vazio: bem do lado de um rapaz que era tão alto quanto era morbidamente gordo, vestindo uma camiseta apertadissima cor de areia. Eu coloquei os fones, e enquanto olhava pra fora, por metade da janela que o rapaz não tapava, eu tentava decidir se ele mais parecia uma montanha ou uma duna de areia de malha apertada.

Mesmo com música, eu ouvi o murmurinho se formando dentro do ônibus, e logo as velhinhas começaram a resmungar como se alguém tivesse mudado o canal da televisão bem quando o Silvio Santos ia sortear a última bola da telesena do mês.

Eu tive que ficar em pé no meu lugar pra ver do que se tratava, mas quando virei o corpo, e olhei pro lado de fora do ônibus, eu vi a situação mais pirotesca do ano.

A cena era a seguinte: parados no sentido oposto da estrada, no meio da BR, estava um caminhão e um carro. Deste último saiu correndo um homem, que para descrever ao pé da letra, era um desses caras com mais de trinta anos que ainda usa bermuda e boné.

Descendo da boléia, vindo correndo a toda velocidade atrás do rapaz de boné, vinha o caminhoneiro: um cara que não poderia ser descrito com outra palavra além de normal. Ele usava uma calça jeans azul e uma camisa branca, normais, era de altura média, normal, e vinha segurando um pedaço de pau de um metro e meio, normal?

Todo mundo já viu uma briga de de trânsito: volta e meia no centro da cidade um cara desce do carro, quebra o parabrisa do carro de trás com uma chave de roda e mais um motorista jamais usará a buzina atoa de novo.
O que a gente não vê todo dia é um caminhoneiro segurando um porrete com as duas mãos, com os braços pra cima da cabeça, posição de um verdadeiro espadachim, posta di falcone, me ensinou um filme medieval horroroso. Não preciso dizer a empolgação que eu comecei a assistir a situação.

O rapaz de boné correu até o acostamento da estrada, pegando quatro tijolos de uma pilha de material de construção, enquanto isso o caminhoneiro medieval ainda precisava correr toda a extensão do caminhão pra conseguir esmagar o crânio embonezado do motorista.

Um tijolo saiu voando, direto para a cabeça do caminhoneiro, atirado de uns seis metros, mas ainda com uma força e precisão que me sujerem toda uma habilidade do rapaz em jogar tijolos em outras pessoas. Antes de receber o balaço no nariz, num movimento absurdamente incrivel, o caminhoneiro baixo o pedaço de pau, defendendo o tijolo, que ricocheteou pra longe.

A torcida de uma arena de coliseu vibrou dentro da minha cabeça e as velhinhas do ônibus resmungavam como se estivessem reprovando a neta que pintou o cabelo de verde.

Encarnando o Conan, o caminhoneiro se aproximava cada vez mais de seu alvo. O cara de boné não se intimidou, jogando mais dois tijolos em rápida sucessão: um acertou no ombro e o outro no joelho, o caminhoneiro agachou na estrada - ele também sentia dor!

O rapaz de boné se aproximou, erguendo a mão com um último tijolo, preparando o seu golpe de misericórdia. O braço foi pra trás, o tijolo já atrás da cabeça, mas, bem quando ia deixar cair o golpe final, ele também caiu de joelhos. O caminhoneiro templário o conseguiu acertar bem na canela.

Nesse momento, num só pulo, o caminhoneiro se levantou e, ainda segurando a excalibur de pau, correu de volta pra boléia de seu veículo,  O caminhão ia embora sozinho, andando preguiçoso na suave descida que era aquele trecho da estrada. A ironia é um negócio poderoso, o caminhoneiro se dedicou tanto ao seu novo emprego na tabúla redonda, que esqueceu de puxar o freio de mão antes de sair pra dar porrada no outro motorista.

Ainda de joelhos no asfalto, o rapaz de boné segurava o seu último tijolo enquanto observava seu atacante fugir. Sem pestanejar, ele atirou o bloco em uma parabola no alto, numa distância muito maior que as outras tijoladas - a pedra girou no ar, e num arco perfeito acertou o caminhoneiro no meio das costas, o jogando de joelhos no asfalto, enquanto seu caminhão decidiu continuar as entregas sem motorista.

Esse é o fim, pelo menos até onde eu vi - tudo isso aconteceu em menos de um minuto, o ônibus passou direto pelo lugar, e mal dava pra ver os dois olhando pra trás. Eu não tenho a mínima autoridade pra dizer se um lado ou outro ganhou, muito menos inventar nada.

Mas que seria engraçado ver o caminhão invadindo o campinho de futebol na beira da estrada, enquanto os dois ainda se degladiavam em cima da carga, ah isso seria.

De qualquer forma, se mais alguma coisa digna de menção aconteceu naquele ônibus, foi uma menina segurando um picolé em uma mão, e um celular em outra reclamando pro trocador do ônibus - “Ninguém chama ajuda!”