segunda-feira, 29 de agosto de 2011

A Longa Viagem 3

- Capítulo 2: Os que causam problemas e os que limpam a bagunça

Os magos são um pessoal muito esquisito se você quer minha opinião. Nenhuma cidade ou vilarejo duraria sequer um dia sem eles, no entanto, ironicamente, eles são os primeiros a serem culpados quando alguma coisa dá errado.

Os livros de história nos contam de dias a muito passados, dias em que a humanidade tinha espaço pra respirar. Sem árvores de trezentos metros, homens gorila homicidas, nem nada do tipo. Era uma época mais simples, porém com seus próprios tipos de problemas, as pessoas viviam sem o luxo das armas de fogo, rádios, geladeiras ou qualquer outra comodidade do mundo atual.

Então vieram os magos, os grandes responsáveis por consertar a sociedade. Essencialmente eram grandes engenheiros, capazes de preencher as lacunas de suas invenções com magia.

O desenvolvimento nessa época foi tamanho que todo mundo chegou a atingir certo grau de controle na magia. Acreditem se quiser, já encontrei velhos documentos com conjuntos de regras descrevendo um jogos infantis antigos. Um muito popular basicamente envolvia crianças atirando bolas de fogo umas nas outras. Soa familiar pra alguém?

- Para teorias antropológicas sobre o jogo em questão, recomendo: GOODMAN.White. Queimada: o sadismo em uma esfera de borracha. -

Como tratado anteriormente, a Teoria da Energia Ambiental forma a base da teoria mágica moderna, no seu postulado principal, afirma que a magia existe ao nosso redor, de uma forma muito pura e difusa. Nessa fase apenas as plantas podem aproveitá-la, usando-a para acelerar e melhorar seu crescimento. Daí parte a Teoria da Cadeia Alimentar, tão presente no senso comum do homem moderno. O caso é que nossos antepassados não sabiam de nada disso!

Chega a ser triste imaginar que eles não tinham percebido em que direção estavam indo.

Seres humanos desenvolvem suas capacidades mágicas a partir de sua dieta, bem como todos outros animais, a diferença é que podemos aproveitá-la pra fazer todo o tipo de coisa maluca. Nosso problema com isso tudo é simples: não só nós não sabemos quando parar. 

Nós temos uma tendência natural a ser descuidados, sequer imaginamos onde toda a magia residual de nossos feitiços acaba. Os magos dos tempos antigos costumavam vazar magia residual como torneiras quebradas.

No início os efeitos não eram tão gritantes, mas com o tempo, o uso de todos aqueles feitiços e a criação de todos os itens e artefatos definitivamente deixou uma marca. A magia residual de nossas indústrias e de nossos próprios feitiços começou a infiltrar-se de volta na cadeia alimentar, quantidades absurdas integradas de uma vez só, que num processo natural demorariam séculos pra dar a volta no ciclo de absorção e putrefação.

Árvores ficaram mais altas, os animais ficaram mais ferozes e nós... Bem, nós estávamos ocupados demais pra perceber. Aconteceu rápido, mas a pior parte é saber que não tão rápido que não perceberíamos nossa loucura. Quando finalmente tomamos nossos machados em mãos já era tarde demais, as florestas não paravam mais de crescer, era quase impossível cortar uma árvore, os animais já haviam crescido e mudado o bastante para serem chamados de monstros e começaram a nos desafiar. Impérios foram quebrados e seus cacos foram deixados à sua própria sorte.

Eventualmente conseguimos nos levantar. Começamos a encantar melhor nossas armas. Começamos a ser mais econômicos e criativos com nossos feitiços e com a ajuda deles desenvolvemos novas tecnologias. Mas até lá, tudo o que tinha sobrado eram poucas grandes cidades, milhares de vilarejos isolados e a natureza selvagem.

Atualmente, os magos não são mais aqueles piromaníacos do passado. Eles principalmente ajudam na produção de bens; alguns são ratos de oficina, sempre buscando novos problemas que possam ser resolvidos inventando alguma coisa. Outros seguem uma carreira mais acadêmica e focam suas atenções na investigação da Teoria da Energia Ambiental, ou outra coisa parecida.

Nerds, a maioria deles. No entanto, Nerds úteis!

Aqueles considerados úteis por suas cidades ou vilarejos geralmente ganham largas verbas pra experimentar e mexer nas coisas que quiserem, mas alguns deles costumam ir longe demais e sofrer as conseqüências. Não, eles não ficam loucos! Eles simplesmente se empolgam, buscam resultados rápidos e se esquecem das diretrizes da magia, derramando um pouco a mais de magia aqui ou ali. 

Os resultados costumam ser desde simples inconvenientes à catástrofes mortais. Vilarejos inteiros já encontraram seu fim simplesmente porque seu mago ficou um pouco animado demais com seus progressos.

E quem tem que limpar a bagunça quando as coisas dão errado? Caçadores. Caçadores são como a proteção que você coloca nas tomadas pro bebê não enfiar os dedos e causar um incêndio na casa. Bebês usando chapeis pontudos com estampa de luas e estrelas.

É preciso muito caráter pra se pegar uma espada e se sentar na borda da civilização observando os ermos.

Caçador é um termo genérico pra designar as pessoas que se especializam em proteger as cidades e vilarejos humanos contra a ameaça de monstros magicamente enriquecidos.
Em alguns locais é mandatório o serviço por um ou dois anos para os garotos, mas na maioria dos lugares por onde passei, a maioria deles é voluntários – talvez tenha algo a ver com os gordos salários que eles ganham. 

Caçadores geralmente estão intimamente ligados a uma cidade ou organização patrocinadora específica, sendo geralmente fixos a esse território, mas existem os que protegem rotas de comércio ou regiões particularmente valiosas. Aqueles que operam independentes são os mercenários, mas são essencialmente a mesma coisa, às vezes se desvinculam da vila por simples empreendedorismo, e às vezes só aprenderam o ofício por fora e ainda não encontraram um empregador pra assinar suas carteiras.

Eles são os únicos capazes de navegar no ambiente em constante mudança da floresta, e por isso, são os responsáveis por patrulhar as regiões, procurar outros assentamentos e até por coletar recursos exóticos da natureza. Eles não se importam, eles conhecem os riscos, eles sabem o que poderia acontecer. 

Eles também sabem que fazem sucesso com as mulheres aonde vão, e de quão cheias suas contas bancárias podem ficar.

Um novo vilarejo só consegue se estabelecer e atingir algum nível de desenvolvimento quando chega a um fino equilíbrio entre caçadores e magos. Magos demais? Seu vilarejo chamará a atenção dos monstros como um bolo de chocolate numa academia cheia de gordinhos. Caçadores demais? Seu vilarejo estará constantemente promovendo uma feira medieval, despeça-se dos banhos quentes, comida fresca e do papel higiênico.

Atualmente, a relação entre os dois grupos pode ficar muito tensa, especialmente por muitos de seus trabalhos demandarem cooperação.

Posso citar, pelo exemplo de um pôster de recrutamento visto numa cidade, " Mago precisa de caçadores jovens e corajosos! Torre de celular regional precisa de reparos, paga-se bem!". Tudo completamente normal, não fossem pelas letrinhas miúdas avisando sobre lagartos gigantes e a taxa de seguro contra desmembramento. Uma oportunidade unica para experimentar verdadeiras situações formadoras de longas e duradouras amizades, tenho certeza!

domingo, 28 de agosto de 2011

A Longa Viagem 2

- Capítulo 1: Sobre a fauna, a flora e aquilo que governa as duas

Numa época onde a informação é tão disponível e usada, até uma criança do jardim de infância sabe sobre os níveis de magia natural ao ambiente, bem como sabem da presença de Deuses reais no nosso mundo. Porém, em televisão, rádio ou jornal, nunca ouvimos sequer um pio sobre as implicações.

Como o leitor sabe, nosso mundo é principalmente coberto pela natureza, que aparece em todas suas formas, cores e sabores, sendo breve: planícies, florestas, pântanos e desertos – e qualquer grande projeto que tente avançar além de certos limites naturais geralmente acaba em um fracasso retumbante.

 O que se ensina na escola atualmente é a teoria da cadeia alimentar: plantas absorvem a magia residual do ambiente para crescer, herbívoros comem essas plantas e absorvem a magia, carnívoros por sua vez comem os herbívoros. A magia corre pela cadeia alimentar até que o seu membro mais superior morra e devolva a energia ao ambiente na decomposição, bem como acontece com os nutrientes – a diferença é que as energias arcanas fazem tudo crescer. E em grandes quantidades, as coisas crescem rápido, a vida selvagem em locais ricos em magia pode ser extremamente ameaçadora. Um colono inteligente mapeia essas regiões, constrói o mais longe possível e tenta não cortar nada em direção a elas.

A verdade, claro, é mais complexa do que isso. Os efeitos da magia em cada ser vivo tendem a ser muito particulares e regionais: enquanto para o senso comum há apenas o super crescimento, em regiões mais afastadas das cidades, pode-se sim ver porcos voarem.

Da mesma forma, qualquer tolo sabe da existência material de Deuses, mas sua real natureza geralmente é amplamente ignorada por pessoas “civilizadas”, povos das florestas e druidas são seus adoradores primários. Um exemplo da nossa ignorância está no deus mais amigável à civilização às nos ossos olhos, adorado por todos nós simplesmente como um deus da colheita, esquecendo que ela não favorece apenas nós seres humanos, mas a vida no geral.

Não é incomum ouvir histórias sobre divindades que se dedicam a forçar os assentamentos que construíram muito longe a respeitarem os limites agraciados a eles. As divindades não são gentis com nenhuma criatura que cresça além de suas próprias necessidades.

Deuses são muito caprichosos e perigosos! São seres compostos por pura magia ambiental, nascidos quando quantidades absurdas de energia se acumulam em partes intocadas da natureza. Raramente se vê um Deus, a menos que sua aventura o leve           muito, muito longe da civilização. Alguns dizem que            quando se vê um Deus nascendo, seu cérebro entra em colapso simplesmente por não ser capaz de compreender a forma divina ainda incompleta. Mas eu não colocaria fé nessa teoria, uma vez que existem os que digam que observar o nascimento de um deus pode lhe dar desde extrema boa sorte à cura de doenças terminais. Algumas pessoas, com os bolsos fundos o bastante, chegam até a organizar expedições pra esses encontros. Este escritor recomenda que seus leitores a não percam oportunidades e participem de uma expedição desse tido, se possível enviando relatos do ocorrido! (Esse escritor também não se responsabiliza pelos ferimentos e/ou morte dos que embarcarem em tais aventuras).

As divindades são extremamente protetoras com o conteúdo de seus “domínios”, elas vagam livremente todos os dias e parecem exercer alguma forma de controle sobre o crescimento por onde passam. E todos eles tem essa obsessão com a vida em todas suas formas, o equilíbrio, e blábláblá! Deuses parecem servir como um equalizador natural, impedindo que o crescimento de uma espécie sufoque outra, e ocasionalmente passando sabões na humanidade em geral.

A maioria dos assentamentos humanos em suas fases iniciais tendem a manter-se em constante estado de alerta, é difícil definir onde exatamente aparecerá a área designada pelo Deus – marcas raspadas no chão, ou uma clareira que se abre da noite para o dia, isso, claro se as marcas realmente chegam a aparecer. Nas tavernas de cidades de médio ou grande porte você pode encontrar homens que esperaram tais marcas em vão, mas conseguiram voltar pra casa. Eles são geralmente os grandalhões de rosto branco como papel e com as mãos sempre trêmulas em volta de um copo.

Os Deuses são verdadeiros aborrecimentos, mas, ao contrário do que seu nome indica, não é impossível matar um Deus. Tudo que é necessário é certo grau de preparação e pessoal qualificado. Como vocês acham que as cidades grandes ficaram desse tamanho e sobreviveram por tanto tempo? Ganhando a ira de panteões inteiros, e andando em uma perigosa corda bamba.

Em certa ocasião, o comboio no qual eu viajava passava por terras pantanosas, e no meio de um terreno de atoleiros fizemos uma parada num vilarejo que eu nunca tinha ouvido falar, chama-se Colina do Mel.

Até cheguei a fantasiar que aquele deveria ser um lugar famoso por seus doces e bebidas, mas mudei completamente de opinião quando desci da caravana e comecei a andar com minhas próprias pernas: o chão era de uma lama grudenta que a cada passo parecia criar sucção e fazer um barulho esquisito nos pés. E justamente estávamos lá pelo barro e argila retirado na região.

Pelo o que pude levantar, a vila vinha tendo problemas com um Deus desde que cavou um  novo poço de argila numa parte afastada no pântano; as pequenas construções que serviriam como alojamentos sumiam do dia pra noite, e o poço era parcialmente coberto, ninguém mais tinha coragem de trabalhar lá, quanto mais passar a noite no alojamento, tinham medo de sumir junto da madeira e dos pregos.

Cansados de viver a situação, o vilarejo, rico devido à rota de comércio, contratou uma equipe para matar o Deus do Pântano em questão, mercenários, auto intitulados como especialistas no serviço. Uma semana além do prazo, nenhum dos especialistas tinha voltado e todo o vilarejo  já pensava ter sido trapaceado pela metade do pagamento que os homens haviam recebido, até que tiveram notícias dos homens.

Grudado com barro seco, nun um tronco de árvore bem próximo dos portais de entrada da cidade, encontraram um caderno enlameado, um tipo de diário aparentemente. Eu o reproduzo em sua forma completa a seguir:


DIA 6 – Isso é completamente estúpido! Temos viajado ao norte da cidade por dias e eu não vi nenhum “Deus”, só monstros maiores e mais horríveis. Essa é a maior furada que Toma já nos meteu! Onde ele estava com a cabeça pegando um trabalho desses? Não há razão pra isso, nos estamos apenas andando em [Um mancha de água torna o  resto do texto ilegível]

DIA 12 – O pântano tem feito qualquer avanço ser quase impossível. Eu já tinha visto vegetação crescendo rápido antes, mas essa coisa... É mais rápida ainda! Corte uma vinha e em um minuto uma substituta cresceu no lugar, e então as cobras vão estar todas a sua volta, é como se a floresta estivesse retribuindo. Já perdemos cinco companheiros. Cinco homens bons que poderiam muito bem ter um trabalho de guarda, protegendo os muros de qualquer cidade, ao invés de estarem jogados na lama tentando matar um mito.


[um grande mancha de lama cobre um pedaço do jornal, com se o dono estivesse escrevendo e teve que se jogar e começar a correr de qualquer forma]...maldito monstro! Uma abominação, eu nunca vi algo parecido! Ele se movia rápido de mais, e nada parecia machucá-lo. Era uma coisa gigante, brilhava como se estivesse em chamas verdes, tinha algo como uma pessoa acorrentado a ele, mas acho que eram uma coisa só, perdemos oito homens praquela coisa. Sempre que tentamos flanqueá-lo ou fugir, toda a merda do pântano começava a crescer e bloqueava nosso caminho! Ele gritava, falava de equilíbrio, que éramos crianças mimadas, e aquele olho sempre [Outra mancha de lama]


SEPARADO. QUANTOS FUGIRAM? MIMADOS. TODOS SO-

[pequenas gotas de sangue]

A Longa Viagem

Enquanto existirem pessoas morando num lugar, elas vão querer de tempos em tempos ir pra outros lugares onde outras pessoas moram. 

Porém, não é o bastante que hajam estradas, viajantes devem ter relativa segurança (ou uma ilusão dela) para permitir que o comércio como conhecemos hoje exista. 

Infelizmente, estradas magicamente protegidas tendem a – por falta de uma palavra melhor – vazamentos. Elas atraem a “atenção” da floresta. Assim, a maioria das estradas é mantida por pequenos grupos itinerantes, equipes (algo mais próximo de gangues na verdade), contratadas para limpar e reparar os caminhos.

De tempos em tempos, quando os mercadores começam a não voltar de suas viagens, algumas grandes cidades enviam pequenas forças de assalto, bem treinados na arte de atrair qualquer coisa particularmente perigosa que esteja espreitando a estrada. 

Mercadores sempre viajam em comboios e caravanas, são ossos do ofício. Jovens valentes e com espírito para aventura sempre encontrarão trabalho como guardas nessas caravanas, mas não é uma tarefa fácil: as rotas normais de comércio costumam durar meses, e as caravanas que perdem menos que uma dúzia de homens podem se considerar com sorte. Se esse jovem conseguir voltar pra casa após uma rota, ou ele será um veterano de guerra, cheio de cicatrizes de batalha, histórias e calafrios à noite, ou ele será um cadáver no freezer da caravana do seu empregador, isso se seu empregador for do tipo sensível – lembrando que seu empregador será um mercador, ou seja, faça suas próprias deduções!

Passar a noite fora da estrada de forma alguma é recomendado. Por isso, em intervalos regulares, estão espalhados ao longo da estradas pequenos mosteiros fortificados ou pousadas muradas e bem defendidas. Os preços são elevados, e é de bom tom contribuir com o algum serviço de guarda quando se passar a noite. 

Um viajante em uma estrada bem conservada verá pouco dos horrores que se escondem na natureza, os refúgios podem ser poucos, mas ficam a poucas horas de viagem uns dos outros. Esses fortes hoteleiros chegam até capazes de dar algum certo grau de luxo para seus visitantes, o que torna alguns deles populares na cidade, vistos como locais para férias da alta sociedade atrás de aventuras exóticas.


Esses refúgios em especial são uma ótima oportunidade de emprego, um guarda de refúgio tem um salário substancial, mais que o bastante pra assegurar a aposentadoria de qualquer mercenário. Clientes nunca deixarão de voltar por causa de um talher sujo, ou de uma mancha no lençol, os refúgios, quando não são patrocinados pelas próprias ordens de comerciantes – seus maiores usuários – recebem subsídios das cidades próximas. 

Agora, um viajante em uma estrada selvagem, ah, esse aí é outra história! Mato alto e árvores! Vários cantinhos escuros que são potenciais esconderijos de ameaças à vida e aos seus dedos, braços ou outros membros destacáveis. Refúgios são poucos e geralmente auto-suficientes, mantidos tanto por uma inabalável determinação, quanto por uma sorte burra. Donos de refúgios independentes geralmente são homens que jamais se deram bem com a civilização, e muitos deles escondem segredos mais escuros que a própria floresta à noite.

Uma coisa todos os refúgios tem em comum: em todos os pontos de guarda, ou todos os pontos do muro que atraiam o olhar, estão diversos entalhes. Mensagens curtas, epitáfios para amigos que nunca tiveram o luxo de um túmulo. Pequenas orações, pequenos desejos entalhados na rocha ou na madeira, desafiando a ira selvagem ao redor. Claro, há também obscenidades, xingamentos e palavrões, afinal de contas, são soldados, não poetas afrescalhados.

Muitos anos atrás, um amigo meu começou a catalogar as pichações ao longo da velha estrada oeste para Forte da Alvorada ( uma cidade até movimentada, fica à dois meses de viagem ao sul, se você tiver a sorte de encontrar uma caravana indo naquela direção eu recomendo!).

Era um cara sensível, acabou ficando muito impressionado com o que estava lendo. Ele acabou fazendo seu caminho seguindo a escrita de uma pobre menina (ela tinha alguns floreios ou outros bem identificáveis, dizia ele) enquanto ela sobreviveu ataque após ataque naquela estrada. Disse que ela sobreviveu por duas rotas até Forte da Alvorada, estava na sua ultima quando foi atacada por um urso do tamanho de um prédio de dois andares, bem no caminho para casa com dinheiro para sua aposentadoria. Ele encontrou seu memorial três refúgios fora de sua cidade natal. E havia mais centenas de histórias como a dela, todas catalogadas por ele nas mais variadas estradas, passando por cidades que eu sequer tinha ouvido falar antes.

O rapaz se sentiu tão culpado depois disso, que se recusava a viajar. A última vez que eu fiquei sabendo dele foi quando voltou pra cá por um tempo, acho que veio só pra entregar o que tinha escrito – colocou tudo ele mesmo em minhas mãos, disse que o correio chega com muito sangue no selo.

Ele queria que eu publicasse sua obra, queria que as pessoas das cidades soubessem sobre o que está financiando suas vidinhas confortáveis na cidade... então eu fiz o que eu pude. Você está segurando o resultado.

-- Prefácio: “A Longa Viagem: Amor, vida e morte nas estradas” por Damien Davis.