domingo, 1 de abril de 2012

A crônica do caminhoneiro templário

Antes de tudo, tenho que confessar: eu juro que tentei fazer alguma coisa com esse caso. Tentei usar ele com o climax de uma história, cheguei até usar-lo só como referência num dialógo (tentando deixar a história mais interessante pelo o que não é não dito) - nada deu certo.

Eu não tenho a mínima capacidade de colocar esse relato no papel, mais do que isso, duvido que qualquer pessoa, usando de qualquer produto, consiga fazer isso. Muito menos eu conseguiria criar uma coisa dessas (aí já penso que uma pessoa devidamente ébria talvez chegasse à coisa igual).


Fato é que essa história aconteceu, é real, por mais surreal que pareça eu estava lá e vi tudo, mesmo que tenha sido tão curta. Então, esse texto não se compromete a ser nada mais do que um simples relato. Penso eu que se o universo fez o favor de mexer seus pauzinhos e juntar tantas coisas improváveis num só lugar, é o dever de todos os observadores de relatarem o acontecido.

Era sábado de manhã, tinha sido um daqueles dias que a faculdade decide te liberar e você volta pra casa (pra cama, sendo mais exato) com um sentimento esquisito de raia alegria, que só quem estuda nesse horário fenômenal conhece.

Eu peguei o ônibus e sentei no único lugar vazio: bem do lado de um rapaz que era tão alto quanto era morbidamente gordo, vestindo uma camiseta apertadissima cor de areia. Eu coloquei os fones, e enquanto olhava pra fora, por metade da janela que o rapaz não tapava, eu tentava decidir se ele mais parecia uma montanha ou uma duna de areia de malha apertada.

Mesmo com música, eu ouvi o murmurinho se formando dentro do ônibus, e logo as velhinhas começaram a resmungar como se alguém tivesse mudado o canal da televisão bem quando o Silvio Santos ia sortear a última bola da telesena do mês.

Eu tive que ficar em pé no meu lugar pra ver do que se tratava, mas quando virei o corpo, e olhei pro lado de fora do ônibus, eu vi a situação mais pirotesca do ano.

A cena era a seguinte: parados no sentido oposto da estrada, no meio da BR, estava um caminhão e um carro. Deste último saiu correndo um homem, que para descrever ao pé da letra, era um desses caras com mais de trinta anos que ainda usa bermuda e boné.

Descendo da boléia, vindo correndo a toda velocidade atrás do rapaz de boné, vinha o caminhoneiro: um cara que não poderia ser descrito com outra palavra além de normal. Ele usava uma calça jeans azul e uma camisa branca, normais, era de altura média, normal, e vinha segurando um pedaço de pau de um metro e meio, normal?

Todo mundo já viu uma briga de de trânsito: volta e meia no centro da cidade um cara desce do carro, quebra o parabrisa do carro de trás com uma chave de roda e mais um motorista jamais usará a buzina atoa de novo.
O que a gente não vê todo dia é um caminhoneiro segurando um porrete com as duas mãos, com os braços pra cima da cabeça, posição de um verdadeiro espadachim, posta di falcone, me ensinou um filme medieval horroroso. Não preciso dizer a empolgação que eu comecei a assistir a situação.

O rapaz de boné correu até o acostamento da estrada, pegando quatro tijolos de uma pilha de material de construção, enquanto isso o caminhoneiro medieval ainda precisava correr toda a extensão do caminhão pra conseguir esmagar o crânio embonezado do motorista.

Um tijolo saiu voando, direto para a cabeça do caminhoneiro, atirado de uns seis metros, mas ainda com uma força e precisão que me sujerem toda uma habilidade do rapaz em jogar tijolos em outras pessoas. Antes de receber o balaço no nariz, num movimento absurdamente incrivel, o caminhoneiro baixo o pedaço de pau, defendendo o tijolo, que ricocheteou pra longe.

A torcida de uma arena de coliseu vibrou dentro da minha cabeça e as velhinhas do ônibus resmungavam como se estivessem reprovando a neta que pintou o cabelo de verde.

Encarnando o Conan, o caminhoneiro se aproximava cada vez mais de seu alvo. O cara de boné não se intimidou, jogando mais dois tijolos em rápida sucessão: um acertou no ombro e o outro no joelho, o caminhoneiro agachou na estrada - ele também sentia dor!

O rapaz de boné se aproximou, erguendo a mão com um último tijolo, preparando o seu golpe de misericórdia. O braço foi pra trás, o tijolo já atrás da cabeça, mas, bem quando ia deixar cair o golpe final, ele também caiu de joelhos. O caminhoneiro templário o conseguiu acertar bem na canela.

Nesse momento, num só pulo, o caminhoneiro se levantou e, ainda segurando a excalibur de pau, correu de volta pra boléia de seu veículo,  O caminhão ia embora sozinho, andando preguiçoso na suave descida que era aquele trecho da estrada. A ironia é um negócio poderoso, o caminhoneiro se dedicou tanto ao seu novo emprego na tabúla redonda, que esqueceu de puxar o freio de mão antes de sair pra dar porrada no outro motorista.

Ainda de joelhos no asfalto, o rapaz de boné segurava o seu último tijolo enquanto observava seu atacante fugir. Sem pestanejar, ele atirou o bloco em uma parabola no alto, numa distância muito maior que as outras tijoladas - a pedra girou no ar, e num arco perfeito acertou o caminhoneiro no meio das costas, o jogando de joelhos no asfalto, enquanto seu caminhão decidiu continuar as entregas sem motorista.

Esse é o fim, pelo menos até onde eu vi - tudo isso aconteceu em menos de um minuto, o ônibus passou direto pelo lugar, e mal dava pra ver os dois olhando pra trás. Eu não tenho a mínima autoridade pra dizer se um lado ou outro ganhou, muito menos inventar nada.

Mas que seria engraçado ver o caminhão invadindo o campinho de futebol na beira da estrada, enquanto os dois ainda se degladiavam em cima da carga, ah isso seria.

De qualquer forma, se mais alguma coisa digna de menção aconteceu naquele ônibus, foi uma menina segurando um picolé em uma mão, e um celular em outra reclamando pro trocador do ônibus - “Ninguém chama ajuda!”