domingo, 5 de fevereiro de 2012

História de Mãe

Minha mãe me contou essa história quando eu era pequeno, ocasionalmente eu me lembrava dela, nessas ocasiões eu sentia arrepios perdia o sono por algumas noites. 

Enquanto morava na capital, longe das áreas rurais de onde vinho, minha mãe tinha uma vizinha nervosa e amarga.


A vizinha se chamava Norma, era uma mulher solitária que tinha se mudado de uma vila do interior pra cidade grande carregando apenas seus animais de estimação, que foram motivo o suficiente pra minha mãe começar uma amizade com a mulher, apesar da personalidade difícil dela.
 

Um dia, a mulher ficou doente, e perguntou se minha mãe poderia vir até sua casa e cuidar de seu cachorro e papagaio. Ao ver em que condições a mulher se encontrava, minha mãe se ofereceu a dormir na casa dela, pro caso dela precisar de alguma ajuda durante a noite.
 

Minha mãe conta que chegou a perguntar o que ela estava sentindo, Norma só respondeu que não vinha conseguindo dormir o bastante, que estava cansada o tempo todo, e a conversa morreu aí.
 

Norma ficou no seu quarto enquanto minha mãe dormiu num quarto ao lado, ou pelo menos tentou dormir.
 

Naquela noite, minha mãe diz ter ouvido um barulho metálico vindo da cozinha, um tilintar leve, como uma caixinha de música, ou um daqueles sinos que as pessoas penduram na janela sendo soprado pelo vento.
 

Ela se levantou e foi investigar, mas era uma noite escura e entre as velas já apagadas e a falta de luz elétrica na casa, não se via mais que um palmo à frente do nariz.
 

Minha mãe voltou pro quarto, e aterrorizada, sentou na cama, no escuro, tentando imaginar o que poderia fazer aquele som. Ela decidiu que deveria dar uma olhada na vizinha.
 

A porta do quarto de Norma se abriu com um rangido lento, e na escuridão, bem como minha mãe, Norma estava sentada na cama, olhando fixamente pra frente, branca como um lençol. Minha mãe lhe perguntou se ela também havia ouvido o barulho – “Todas as noites é assim”, ela respondeu com um sorriso triste.
 

Norma disse que se deixasse pratos sujos na pia, como havia deixado naquele dia, algumas noites ela podia ouvir barulhos como se tudo estivesse sendo lavado, que ela se levantava da cama apenas pra não encontrar ninguém na cozinha.

Enquanto conversavam ambas ouviram a água da pia de sua área de serviço espirrando, como se alguém estivesse lavando suas roupas. Elas chegaram a se levantar e, juntas, foram ver se tinha alguém no quintal, não encontraram ninguém.
 

Minha mãe puxou o colchão da cama que lhe fora preparada para o chão, arrastando-o até o lado da cama de Norma, fechou o quarto em que as duas estavam e se deitou, mal conseguindo dormir naquela noite. Ela se levantou cedo na manhã seguinte pra ver os animais, a vizinha ainda dormia, abriu a porta do quarto devagar e  deixou a casa da vizinha arrumada, com tudo em seu devido lugar, voltando pra sua própria casa pra começar um novo dia de tarefas normais de casa.

Naquela tarde a vizinha veio em sua casa pra agradecer a ajuda, e as duas começaram a conversar.  Norma disse que vinha se sentido tão insegura com as experiências vividas naquela casa, que pensou que se contasse pra outras pessoas, seria taxada como louca - e, até a última noite, teria concordado com todos que lhe colocassem numa camisa de força.


Porém, agora ela tinha certeza que outras pessoas também ouviam os sons, ela ainda era normal.
 

Baixando a voz e falando quase num cochicho, Norma contou que numa noite, quando tinha acabado de se mudar para a nova casa, bem quando se preparava pra dormir, ela entrou em seu quarto e encontrou uma mulher parada lá dentro.

O que ela viu foi uma mulher normal, nada de vestidos brancos esvoaçantes ou de corpos transparentes, apenas um rosto amarrotado de quem esteve chorando.

Antes que pudesse ter qualquer reação, a desconhecida se virou e perguntou numa voz clara – Você também mora aqui? – enquanto tomava um passo em direção à dona da casa.

Desnecessário dizer que Norma bateu a porta na cara da pobre aparição e se escondeu na sala, acordada a noite toda.
 

Minha mãe disse que ela deveria se mudar, a vizinha disse que já ter ligado pra filha de manhã, bem quanto tinha acordado, e que, se possível, no outro dia já estaria fora dali. Minha mãe preparou uma cama, e ela dormiu na nossa casa.
 

Naquela noite, certo como um relógio, o barulho veio de novo, mas o que quer que fosse estava na casa da vizinha. Você realmente teria que fazer silêncio pra ouvir alguma coisa se estivesse na casa da minha mãe, e de jeito nenhum alguma das duas iria sair pro nosso quintal pra tentar ouvir melhor.
 

Uma vela se acendeu dentro da casa da vizinha, perto de uma das janelas que dava direto pra sala da minha mãe. Elas fecharam as cortinas e, olhando só pelas frestas, observaram enquanto a luz se movia dentro da casa, como se alguém estivesse andando pela casa.
 

Minha mãe, tentando fazer pouco caso da situação disse:
 

- Acho que está sentindo sua falta lá hein?! Melhor você voltar!
 

- Tenho certeza que ainda vai aparecer outra pessoa pra essa coisa brincar. – as duas dividiram um riso nervoso.
 

A luz foi ficando mais fraca, até apagar, e isso foi tudo que aconteceu naquela noite.
 

A filha de norma e o marido apareceram com uma caminhonete, e até meio dia já tinham carregado os poucos pertences da casa, eles nunca perguntaram o porquê da mudança repentina, ou da pressa. Norma agradeceu minha mãe, e perguntou se ela poderia cuidar de seu cachorro e seu papagaio, coisa que ela ficou feliz em fazer.
 

Alguns dias depois, minha mãe acordou suando frio, era o barulho de novo, dessa vez estava perto, dentro de casa. Ela se levantou da cama, e fez seu caminho por todos os cômodos, acendendo as luzes da casa, que ao contrário das da vizinha, eram luzes elétricas.
 

Ela andou até a cozinha, e na escuridão, ela viu alguma coisa, a origem do som metálico que tirou o sono de sua vizinha tantas noites: o papagaio.
 

Minha mãe chegou a telefonar para a filha alguns meses depois, ela soube que Norma continuou sem dormir na casa nova, eventualmente sofreu um colapso nervoso e teve que ser internada pra que pudesse ter algumas horas de sono. Se Norma chegou a explicar o seu sofrimento, ou se dizia algo nesse estágio, sua filha não disse, ou teve vergonha de dizer.
 

Minha mãe nunca soube dizer se o que elas ouviram era apenas o som do papagaio, ou alguma coisa mais.
 

Quer dizer, o papagaio repete sons de coisas que ele ouve várias vezes, mas, em específico, aquele som de tilintar? Ela disse que nunca teve a mesma qualidade metálica como que ela ouviu na casa da vizinha. No final, imitação do papagaio era um assovio, por mais leve que fosse a imitação de um sino, ainda soava como um assovio.
 

Por outro lado, é muito fácil fazer esse tipo de julgamento em plena luz do sol. Ninguém sabe o que são noites e mais noites ouvindo esse mesmo som. Qualquer que fosse sua origem, depois de algumas noites em claro, quem pode saber o que ele poderia fazer com a mente de uma pessoa? O quanto a pessoa ouviria ele dentro ou fora de seus ouvidos, ou o quanto a pessoa poderia ver mulheres espectrais dentro ou fora de sua cabeça.

O problema é que nada disso explica a luz que elas viram na janela aquela noite. Nem explica, como minha mãe disse ter visto na manhã que dormiu lá, a pia vazia, e os pratos ainda úmidos no escorredor.

2 comentários: