segunda-feira, 11 de abril de 2011

O porquê de poesia ser uma merda

- Eu não tô especialmente poético hoje não.

- Para com isso, vai! Você sabe o que eu quero ouvir. Você sempre tem uma frase ou algum negócio!

- Sempre?! Tudo bem que você me conhece há pouco tempo, mas já viu eu falar merda o bastante por aí pra saber o que eu tenho. Você está bêbada. – Ela não estava.

- Pelas merdas mesmo que eu falo. Você pode ser bonitinho às vezes, e não é todo dia que posso te ver bêbado.

– Eu não to bêbado! – Ele estava. Incrivelmente. – Por que tem que ser tão complicado pra mim? Não dá só pra você sentar com as pernas roçando nas minhas, beber um pouquinho mais e me chamar pra dançar?

- E você lá iria dançar se eu te chamasse? Além do mais, eu te conheço, você veria graça em mim se eu fosse esse tipo de garota? – Ela fez uma careta com uma cara de mal humorada e disse com uma voz grossa idiota – “Não sei qual a diferença dessas meninas, são todas iguais.”

Ele tentou segurar um sorriso envergonhado. Ela realmente era interessante.

- Então, quer dizer que eu sei o que você quer ouvir... –  ele olhava agora para os joelhos dela através do fundo do copo, como um avaliador de jóias que analisa a rocha bruta antes de transformá-la em cristal lapidado – Mas você pode ter certeza absoluta que sei. Sei até o que  você nem sabe que quer ouvir ainda. – disse colocando o copo na mesa com um sorriso no canto da boca e um olhar malvado.

Ela cruzou os braços e levantou uma sobrancelha – Você realmente acha que me faz imaginar alguma coisa assim a toa? Se você quer que algum dia que eu chegue a sequer vislumbrar que você diga essas  outras coisas, pare de me enrolar e

- Suas formas... – Ele a interrompeu num tom grave e sereno, sepulcral o bastante pra lhe causar arrepios – Ou melhor, seu corpo como um todo. Seu corpo pra mim é... Real. Talvez, se tivesse que responder, diria que é a única coisa realmente física de todo esse lugar. – ele se aproximou dela e ergueu uma das mãos - mais material que minha própria pele, mais até que meus ossos ou o sangue que corre em minhas veias, tudo isso você tem iguais a mim.

E ainda sim... – Ele tomou a mão dela na sua e manuseou cada dedo dela com os seus próprios – ainda sim, o toque em você não é nenhuma ficção, eu posso sentir todas essas coisas bem aqui. Por que isso?  
Ele soltou suas mãos e olhava fixamente em seus olhos, aproximando seus rostos. - Alguma coisa corre em você, alguma coisa sensível demais para ser notado diretamente. Essa coisa está em casa vírgula, cada ar que você toma pra soltar uma frase nova. Algo que nos fazem cercar você como insetos circulam uma lâmpada.

- O problema é estar ocupado demais me perdendo nessas duas luzes verdes e me distrair – ele lhe afagou a face – esquecer que na verdade elas são lâmpadas. Lembrando tarde demais pra não me queimar.

Ele se afastou. Os olhos dela faiscavam na penumbra do bar e ela apoiou o queixo em uma mão.

- Isso foi... De onde você tirou isso?

- Eu lá leio poesia pra tirar isso de algum lugar?! Eu inventei. Agora mesmo. – Ele procurava a carteira nos bolsos sem olhar pra ela. – Mas isso não quis dizer nada sabe?

- Não dá pra você ficar calado e me deixar aqui suspirando te colocando no nível desse negócio todo? – Disse sorrindo cínica.

- Tive duvida entre essas frases aí, ou alguma coisa sobre chamar seus cabelos de cascata morena e seus ombros de pedras do rio, sei lá, não pensei muito bem nessa outra. Sério, só veio do topo da minha mente.

Ele olhou pra ela, e sentiu seu peito esfriar um pouco. Era normal pra ele em se tratando dela.

- Eu não preciso dar um nome pra montanha pra saber que ela é alta. Nem preciso entrar na chuva pra saber que ela irá me molhar. São palavras vazias, qualquer um pode fazer sem nunca ter visto um botão de flor abrir, nunca ter caminhado na praia de noite ou visto o sol nascer numa montanha. Acredite, ninguém tem saco pra essas coisas.

Estava impresso em seu rosto, ela estava pronta pra se levantar e procurar um canto com mais pessoas.

- Olha, só queria descrever você como, outra!

- Me descrever como outra?! – Ela repetiu num tom de raiva

- O outra era pro garçom, ele estava fingindo não me ver. Eu só queria descrever você como você, e não dá pra fazer isso.

Mais uma dose de alguma coisa foi servida no copo dele, e ele se levantou, com suas coisas já arrumadas nas costas. Ele bebeu o copo.

- E quem sou eu pra te falar se você se parece com uma flor ou um animal? Quanto mais a uma estrela ou algum arco iris sei lá. Já viu pessoas comparando outras pessoas a arco iris? Eu também não vi, mas deve ser muito bizarro. Sei lá, eu nem te conheço direito ainda. Vai que você se parece na verdade com um minério ou algum tipo de bactéria? Não podemos restringir tanto nossos leques de opções.

Ele caminhou até o lado dela da mesa para se despedir puxando-a pela mão para se levantar. No meio do caminho as pernas dela bambearam tanto quanto as dele. E não era pelo álcool.

- Eu tenho que ir, tenho uma aula de você-não-quer-saber-o-que daqui a uma ou duas horas. Te encontro amanhã perto da máquina de café. Procure por alguém de óculos escuros tomando aspirina.

Ela se sentou com o coração ainda palpitando. Tocou os lábios com as pontas do dedo, se perguntava se algum de seus amigos tinha visto toda a cena. Podia sentir o amargo da bebida e alguma coisa não identificável vinda do copo d(ele).

E o tempo todo ela  não conseguia parar de pensar que queria ouvir o que ele diria sobre uma série de coisas que ela ainda nem sabia que queria ouv – Filho da puta...!

2 comentários:

  1. Que lindo!
    Adorei!
    Você devia escrever mais textos nesse formato de diálogo, não sei se sou só eu que gosto disso, mas assim dá pra visualisar a cena na cabeça e deixa tudo mais interessante ;)

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  2. Lucas, suas palavras me causam um sentimento leve, não sei o nome nem quero saber só quero senti-lo mais vezes.

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